Neste duro momento, o dramático desastre vivido por nossos concidadãos no Estado do Rio Grande do Sul nos provoca a presente reflexão, ao lado de nossa imensa solidariedade.
Do ponto de vista planetário, temos há décadas conhecimento científico suficiente sobre o fenômeno das mudanças climáticas e das ameaças e riscos dos eventos climáticos extremos. Infelizmente, as tristes evidências confirmam que já vivemos a emergência climática agora! Desaventuradamente, persiste um negacionismo que afeta ações concretas baseadas em soluções científicas e na natureza. Constata-se a ausência de vontade política de atuar de forma incisiva sobre essa problemática urgente, por meio de políticas públicas efetivas de mitigação e de adaptação nos territórios rurais e urbanos, diminuindo a exposição e as vulnerabilidades das comunidades aos eventos climáticos extremos – que não constituem mais situações isoladas e, infelizmente, já passam a ser parte da rotina.
No caso brasileiro, a situação é similar! Existe uma ampla base de conhecimento técnico-científico que evidencia as gravíssimas implicações desse fenômeno em nosso país, seus biomas, atividades produtivas e dinâmicas populacionais e territoriais. Conhecemos as relações sistêmicas que conectam as atividades socioeconômicas e as vulnerabilidades implicadas nesse fenômeno. Esses conhecimentos foram consolidados e, por vezes, amplamente divulgados para a sociedade civil e os tomadores de decisão. Contamos, desde o final da década de 1980, com relatórios científicos com sínteses para “tomadores de decisão”, como aqueles publicados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, diversos planos de ação voltados à mitigação e adaptação nos níveis federal, estadual e municipal. Contamos também com estudos para setores específicos, como nos casos da agricultura e da energia .
Entretanto, constata-se com horror que a síntese de evidências sobre as ameaças pairando sobre nosso país, reunidas por uma equipe de cientistas de reputação internacional no chamado relatório Brasil 2040, elaborado há uma década, simplesmente desapareceu durante esses últimos 10 anos, impedindo que nossa sociedade fosse devidamente informada sobre essas graves ameaças e pudesse conhecer, debater e decidir sobre as estratégias necessárias para enfrentá-las.
A apropriação desse conhecimento e sua consolidação na forma do aparato legal e institucional, que não faltam em nosso país, não são somente medidas de precaução. Constituem responsabilidade inescapável das autoridades instituídas para com nosso povo. Sua desconsideração por parte dos tomadores de decisão, não transformando as recomendações da Ciência e políticas e planos desenhados em ação efetiva de mitigação e de adaptação, incluindo a prevenção dos “desastres anunciados” e as estratégias para o enfrentamento das situações que já estão se tornando uma realidade dolorosamente renitente, implica assumir a responsabilidade por suas consequências. A inação tem se mostrado não “apenas” uma negligência, mas uma “decisão política”.
Os retrocessos recentes no aparato legal, normativo e institucional constituído ao longo de décadas, são ilustrações de como o desmantelamento da proteção ambiental tem sido uma agenda estratégica de lamentáveis figuras da cena política em nosso país.
O que precisamos ter em mente e assumir como farol de nossa ação coletiva é nossa corresponsabilidade: somos responsáveis pelas (des)informações que apoiamos, somos responsáveis pelos avisos que escolhemos relevar, somos responsáveis pela herança que recebemos e legamos. E o nosso amanhã e a nossa humanidade dependem radicalmente dessas decisões.
Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental – CAMEJA
Observatório de Direitos Humanos – ODH
Diretoria Executiva de Direitos Humanos – DEDH
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
“Ciência, (des)informação e política na terra da emergência climática”
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