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Jornadas extensas, ausência de direitos trabalhistas, alimentação e hidratação inadequadas são características predominantes do trabalho dos motoboys. Para compreender as condições de saúde da categoria, uma ação está sendo realizada pela Unicamp em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Além de identificar possíveis enfermidades e encaminhar os trabalhadores para diagnóstico e tratamento, a avaliação poderá embasar políticas para a melhoria das condições de trabalho dessa categoria.

A ação está sendo realizada com o apoio da Adunicamp e do STU
A ação está sendo realizada com o apoio da Adunicamp e do STU

A avaliação sobre o estado de saúde vem sendo realizada desde o dia 26 de janeiro, na Unicamp. A meta é avaliar 200 motoboys, que podem ainda agendar a consulta pelo WhatsApp (Acesse o número). A ação é realizada no campus de Campinas e conta com o apoio da Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp) e do Sindicato de Trabalhadores da Unicamp (STU).

Na Universidade, os profissionais de saúde realizam um teste de covid-19 e checam o esquema vacinal. Caso esteja incompleto, o motoboy recebe informações para a atualização da imunização. Depois, é realizada a aferição da pressão arterial e coletada uma amostra de sangue. O resultado da glicemia é obtido instantaneamente e, em cinco minutos, saem os resultados do hematócrito.

O passo seguinte é uma entrevista, em que o trabalhador responde a perguntas relacionadas à jornada de trabalho, aos hábitos alimentares e às condições de saúde. Por fim, o motoboy é atendido por um psicólogo, que realiza testes para avaliar o nível de atenção dele. Todo o circuito demora em torno de uma hora. Os trabalhadores recebem um voucher combustível para compensar pelo tempo não trabalhado.

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A médica e diretora da Diretoria Executiva de Direitos Humanos, Sílvia Santiago: categoria com poucos direitos, com pouca seguridade

A ação decorre de uma parceria entre Unicamp e MPT que se estreitou em 2020 no âmbito das ações de combate à pandemia. No início de 2021, por meio da Força-Tarefa contra a Covid-19 da Unicamp, foram realizadas testagens entre os trabalhadores. “Eles se tornaram essenciais para a vida das pessoas, principalmente para os mais vulneráveis, como os idosos. Eram eles que levavam comida, remédio. E ao mesmo tempo é uma categoria com poucos direitos, com pouca seguridade. Fizemos a testagem porque eles estavam se colocando em perigo visitando as pessoas”, conta a médica e diretora da Diretoria Executiva de Direitos Humanos, Sílvia Santiago.

Mas, além de mapear aqueles cujos testes deram positivo para a covid-19, percebeu-se que havia condições clínicas que poderiam estar ligadas ao alto índice de acidentes entre a categoria, observa a professora. Na ocasião, quase 40% dos trabalhadores relataram ter sofrido algum tipo de acidente grave não necessariamente decorrente de imprudências.

“Achamos que há mais coisas além disso, que o próprio regime de trabalho, que a própria condição de trabalho e que a necessidade de trabalhar incessantemente acabam sendo fatores que podem causar acidentes. Eles têm uma rotina muito pesada. O tempo deles é literalmente dinheiro e é o dinheiro da sobrevivência, não é do lucro, e por isso não param. Percebemos que havia questões clínicas a serem abordadas e decidimos fazer essa ação mais aprofundada”, conta Santiago.

O enfermeiro Adilton Leite (à esquerda) e o psicológo Matheus Rocha: contribuição da Universidade com subsídios
O enfermeiro Adilton Leite (à esquerda) e o psicológo Matheus Rocha: contribuição da Universidade com subsídios para políticas públicas

Desidratação e pressão alta

A equipe envolvida na ação, composta por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, ainda não realizou a análise global dos dados, o que só será possível após o término da avaliação. No entanto, eles vêm encontrando entre os motoboys indicações de desidratação, pressão alta e glicemia alta. No caso de haver alteração de pressão e glicemia, o trabalhador é orientado a buscar o centro de saúde mais próximo de sua residência para o diagnóstico e tratamento. Alguns já têm dado retorno à equipe sobre o prosseguimento dos exames.

“Para quem tem glicemia e pressão alteradas, algo que é bastante comum nesse grupo, nós conferimos na chegada e também na saída. Confirmada [a alteração], encaminhamos [o paciente] para um serviço de saúde para fazer um diagnóstico e o acompanhamento”, conta o enfermeiro Adilton Leite, um dos responsáveis pela ação.

Ele comenta que há algumas hipóteses para essas alterações, como o estresse, a obesidade, a má alimentação e a falta de exercício físico. “Tudo isso aparece no questionário. Se analisarmos os dados de cada estação, um [dado] conversa com o outro. Por exemplo, o hematócrito alto tem como um dos motivos a desidratação, já que eles não têm condições adequadas de trabalho e não ingerem líquido de maneira adequada.”

Após o fim da ação e com a análise dos dados, que serão combinados com pesquisas de outras áreas, como da sociologia e da economia do trabalho, Leite espera que a Universidade possa contribuir dando subsídios “para estabelecer políticas de proteção da saúde do trabalhador dessa categoria”.

Culpa e desgaste

Com os psicólogos, os motoboys fazem testes que avaliam principalmente o nível de atenção. “A ideia é fazermos uma correlação com a desidratação e o que pode causar acidentes”, explica o psicólogo Matheus Rocha.

Além do desgaste e da desidratação, que podem comprometer a atenção, ele destaca que as características da profissão geram com frequência algum tipo de sofrimento. “Geralmente eles estão bem cansados e desidratados. Eles se culpam às vezes por estarem nessas condições e não têm espaço para pensar no sofrimento, no cansaço e no fato de não terem tempo para a família”, observa.

Para Rocha, esse é um tipo de trabalho que tem deixado pessoas doentes e uma mudança nessa situação requer uma “reavaliação dos contratos de trabalho para que eles possam ter tempo de descanso e qualidade de vida”.

Os motoboys Dionata Rocha e Alan Barbosa
Dionata Rocha (à esquerda) e Alan Barbosa: reforma trabalhista favoreceu a expansão da informalidade

Profissões uberizadas

O número de entregadores e motoristas de serviços do tipo no Brasil cresceu quase 1.000% entre 2016 e 2021. A reforma trabalhista, que favoreceu a expansão da informalidade e das ocupações precárias, somada à disseminação dos aplicativos e ao aumento do desemprego, está entre os motivos para esse cenário. Devido à ausência de direitos trabalhistas, discute-se a necessidade de estabelecer parâmetros de regulamentação para as chamadas profissões uberizadas, que são o meio de sustento de muitos brasileiros.

Para o motoboy e estudante de Fisioterapia Alan Barbosa, a profissão é o que lhe possibilita pagar a mensalidade da graduação e seus custos de vida. “[Conciliar trabalho e estudo] tem sido desgastante, mas considero que é produtivo. Estou achando interessante essa ação e seria bom se continuassem porque, como se sabe, o motoboy sai de manhã, só chega à noite, às vezes não tem uma boa alimentação, pega chuva, pega sol e isso prejudica um pouco a saúde.”

A oportunidade de checar seu estado de saúde foi o que o levou à ação na Unicamp, da mesma forma que no caso de Dionata Rocha. “É importante [a Universidade] se preocupar com a classe”, diz ele, que é motoboy há dois anos. Rocha também discorre sobre como vê a profissão. “O que eu gosto é a remuneração, porque quanto mais a gente trabalha mais ganha. Mas poderia melhorar, ter pontos de apoio, com banheiros distribuídos em alguns pontos fixos exclusivos para motoboys e [locais onde eles pudessem] tomar uma água.”


Reprodução: Portal da Unicamp

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