O sensível vínculo estabelecido entre Ailton Krenak e a plateia que lotou o auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp na manhã desta sexta-feira (10/03) transformou o lançamento do programa “Trilha da Sustentabilidade” em um evento marcado pela ancestralidade. Krenak fez a palestra inaugural do projeto que é uma parceria entre a Escola de Educação Corporativa (Educorp), a Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja) e a Diretoria Executiva de Planejamento Integrado (Depi) da Unicamp.
Aplaudido de pé diversas vezes, o líder indígena falou durante mais de uma hora, logo após a apresentação das autoridades presentes, entre elas o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, e a coordenadora-geral da Universidade, Maria Luiza Moretti. Sem poupar críticas à estrutura da sociedade capitalista e ao poder destruidor das grandes empresas, Krenak reforçou sua mensagem de alerta sobre a direção errada que o mundo está tomando, apontando que uma das saídas está na possibilidade de “estabelecer um sensível vínculo com a memória dos nossos povos”, processo que ele chama de “futuro ancestral”, nome do seu mais recente livro.
O apelo da ancestralidade imprimiu emoção à fala de todos. A professora Josianne Cerasoli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, falou de sua emoção ao entregar a Krenak o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog. Em função do formato remoto da premiação do ano passado, somente nesta ocasião o troféu foi entregue a Krenak, e isso pelo reconhecimento da destacada atuação dele em favor da dignidade da vida. “Encontramos sinais e frutos de suas iniciativas em numerosos lugares, seja denunciando as várias violências sobre o corpo indígena, seja compartilhando sua aguda crítica aos valores da sociedade capitalista”, disse Josianne.
Expectativa
Às 9h, uma hora antes do início previsto para o evento, a busca por lugares no auditório já era grande. A indígena Cleidiane Barreto, do Povo Tucano de São Gabriel da Cachoeira, aluna de Pedagogia na Unicamp, disse que, para os indígenas, Krenak é uma referência intelectual. “Ele fala sobre sustentabilidade, é defensor do meio ambiente, é um exemplo pra nós, que queremos ser como ele.”
Andrea Cunha também aguardava a fala de Krenak com muita expectativa. Mestra em Artes Corporais pela Unicamp, ela pesquisou a ancestralidade indígena e, quando soube que ele daria uma palestra, fez questão de estar presente. “Acompanho-o há muito tempo. Eu não quis perder.” O estudante de Geografia Dimitrie Hristov Júnior disse que o professor liberou a turma para que participassem do evento. “Vi um documentário com ele. Muito bom.” Para surpresa da plateia e fora da programação oficial, uma apresentação informal de música e dança feita por estudantes indígenas da Unicamp abriu o evento.
Antes da palestra de Krenak, os integrantes da mesa falaram sobre o lançamento do “Trilha da Sustentabilidade”, programa que consiste em palestras, vivências e oficinas previstas para ocorrerem este ano e que tratarão de temas como sustentabilidade, emergência climática, consumo sustentável, educação ambiental, resíduos, soberania alimentar, segurança energética e mobilidade sustentável. Também emocionada, a professora Sônia Regina da Cal Seixas, presidente da Cameja, falou sobre a importante parceria entre a Educorp, a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) e a Depi no “Trilha da Sustentabilidade” e destacou o papel da universidade pública quanto a sua contribuição para a sociedade como um todo.
A diretora executiva da DEDH, Silvia Maria Santiago, disse estar emocionada de ver o auditório lotado para o evento de lançamento e para a palestra do líder indígena. “Estamos aqui reunidos e vacinados, de mãos dadas com a ciência.” Thalita dos Santos Dalbelo falou em nome do diretor executivo da Depi, Douglas Galvão. O diretor da Educorp, Edison Lins, também falou da alegria de ver o auditório lotado e de como estava otimista em ver o grande interesse no lançamento do projeto.
O reitor destacou o importante significado do evento e da presença de Ailton Krenak para a Unicamp. “Temos história de luta pelos direitos humanos. Um dos nossos desafios é que nós temos condições de mudar o mundo”, disse o reitor. Para Maria Luiza Moretti, Ailton Krenak é um exemplo.
Provocação
O líder indígena – que é também ambientalista, poeta, jornalista e filósofo – fez questão de começar sua fala esclarecendo que não havia sido convidado para “fazer propaganda do programa que se inaugura”. Seu objetivo como palestrante era fazer provocações. “É por isso que nós estamos aqui, dialogando. Nós estamos opondo ideias e pontos de vista. Eu vim provocar vocês a olhar por dentro desse organismo e ver se ele tem alguma coisa lá dentro que a gente poderia pensar como restaurador desse tecido machucado que é a nossa confiança na ciência, na democracia, no exercício da vida.”
Krenak disse que seus amigos mais próximos o chamam de radical, mas que ele contesta. “Nós estamos falando de sustentabilidade em um mundo que está pelas beiradas. Então sustentabilidade nesses termos aqui seria um difícil equilíbrio entre o razoável e o possível. Do ponto de vista ambiental, o planeta virou o século 21 com risco de falência múltipla.”
Para Krenak, quem manda nos países em todo o mundo hoje são os grandes executivos e milionários. “A gente pensava que elegia os governos. Mas quem elege são as corporações”, afirma. “O poder corporativo é incompatível com a democracia. Portanto, o modo de governar o mundo é antidemocrático.” E completa: “Nossos ancestrais já falaram que a terra é nossa mãe. Como conversar com quem quer predar a nossa mãe?”.
Krenak celebra o momento que se vive hoje no Brasil, um momento de “visibilidade flagrante dos povos indígenas”, algo promovido com destaque pelo atual governo. “A gente tem que ficar de pé diante da vida. A vida gosta de desafiar a gente, como diz Guimarães Rosa. A gente tem que falar com ela: Então vem. Pra vida!”
A solenidade foi encerrada com a apresentação de dança e música do coletivo indígena que realizou, de 8 a 10 de março, o Primeiro Encontro das Acadêmicas Indígenas. Na ocasião, esse grupo também reivindicou a ampliação das cotas para indígenas na Universidade.